terça-feira, 2 de março de 2010

Instante

"Oito patas tem o bicho homem após amar"
V.D.
Morre aos poucos uma paixão.
Morre, assim como morrem neste instante
as rubras rosas e a rosa branca solitária
que eu dei a você
e você pôs em um jarro:
acolheu-as em casa para que não morressem
secas à soleira da porta, mas
morrem.
Morrem como morro eu,
como morre você e como
morrem todos os já nascidos
e morrerão os por nascer
e tantas outras
rosas,
paixões não colhidas à porta
nem trazidas para dentro do seio,
acalentadas: essas
morrem.
Morre aos poucos uma paixão,
mas sem deixar uma lágrima sequer cair,
porque não é uma paixão que se apieda de si
nem chora da própria desgraça.
É uma paixão brava, valente,
que se expõe, que se propõe a todos os riscos,
como o risco de ser negada
ou partida em dois e n"ao ter quem as una, essas duas partes,
antes que uma sozinha
se resolva pela partida,
sabendo dessa sua partida
a morte sua,
restando apenas à outra parte,
deixada para trás,
morrer por si só.
A parte que parte se esquece que
resolver-se por partir é resolver-se por solver
essa paixão construída por ambas as partes,
deixá-la apenas à espera da pena
de morte certa.
Morre aos poucos uma paixão
e não adiantam lamentos
ante os desencontros
dessa vida.
Morre aos poucos uma paixão
e o custo de salvá-la
é o custo da própria vida:
é reunir tudo quanto for dor
e untar cada ferida,
fazer nascer dessas chagas
novamente a paixão
e vivê-la não com uma vida
mas com o vigor das duas vidas as quais essa paixão
goza de direito.
Então assim não será mais duas,
mas uma única singular paixão
feita e sustentada
por um só bicho de oito patas, quatro delas mãos
e que durará toda a vida da paixão
até que morra antes
as metades das quais o bicho é feito
ou o ardor da paixão,
mas é necessário que morra algo
para que não termine sem razão
como morrem secas
as pétalas
espalhadas no chão.
Rafael Lemos, 22-02-'10.