segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Galo

....................Minha crista é a guarda da aurora, recende o cheiro mênstruo do fosso de ti ainda em mim, borrado nessas penas,
....................negro, amaro & grená.
Meu olho conserva-se, debruçado
....................nas desesperanças da terra, mantendo, apesar do degredo, a freqüência do mundo sob membranas frias; o brio que carrego por ser, a cabeça curva, bico convergindo ao chão, patas embrenhando-se à terra: gestos do sagrado...
....................firmamentos de céu e terra despertam por meu canto.


Rafael Lemos, 06-12-'10.

domingo, 15 de agosto de 2010

nome

veneno em minha espalda, esse nome
que está gravado em minha medula
como ponta de punhal
navalha minha carne metal
ou o incêndio que sobe
pela minha garganta ferrugem sangue um sopro
pára em meus dentes e ressoa
mudo como pitangas
em meus lábios uma outra canção

um nome
e nessa palavra a fala das pedras
caída em esquecimento por ser mais por ser
tanto!, sua queda ecoa
a queda num poço sem fim
o envergar das asas da miséria infinita
que toca gentilmente cada ponto do quadrante
numa música perene que não se esquece
porque se sofre assim

o nome, traz o vento
com os restos de um incêndio
e o areal o bambuzal o laranjal que queimam
tornam-se as cinzas de cada dia
entre o calado olho na margem sanguínea da aurora
ao inevitável ocaso um pêndulo
onde convergem mil olhos, o dobro, na escuridão
porque é por ti, pelo nome, que até a morte
vigora o risco de ser completo


Rafael Lemos, 15-08-'10.

terça-feira, 22 de junho de 2010

nada
esse inferno
........................em cor
.......................................po'ssono
..........................................rí, fera
.........................................................o ranço da esper ao
............................................................................esperm ao

.......................................maravilhoso não existe

ex
......terno, essas costelas
.............................................tange (o mundo ainda
......................................................................................n'às voltas com
..........................................................o carvão o corpóreo o mínimo d-
..........................................................o corpo
..........................................................................trespassado)

.......................................................voragens
.......................................................voltagens
.......................................................vontades

..............................................................................e aí sim
................................................................................................esse corpo
......................................................................................................................de terracota terravolta

.......................................................a orbitar
.......................................................em torno

.................................................estrela de ti
.......................................................................

segunda-feira, 24 de maio de 2010

entre-ando

O cachorro

O cachorro que olho fareja as ruas
com a mesma ansiedade que minhas mãos

bem sabe esse cachorro
que todos os dias fareja as mesmas ruas
que as ruas nunca são as mesmas

mas esse cachorro
ultrapassa meus olhares correlatos ao pôr


..................................................................................do sol


Rafael Lemos, 13-05-'10(?).


an other thing:

floriferar é trazer
a fera da flor à flor,
às feridas de cada pétala.

terça-feira, 2 de março de 2010

Instante

"Oito patas tem o bicho homem após amar"
V.D.
Morre aos poucos uma paixão.
Morre, assim como morrem neste instante
as rubras rosas e a rosa branca solitária
que eu dei a você
e você pôs em um jarro:
acolheu-as em casa para que não morressem
secas à soleira da porta, mas
morrem.
Morrem como morro eu,
como morre você e como
morrem todos os já nascidos
e morrerão os por nascer
e tantas outras
rosas,
paixões não colhidas à porta
nem trazidas para dentro do seio,
acalentadas: essas
morrem.
Morre aos poucos uma paixão,
mas sem deixar uma lágrima sequer cair,
porque não é uma paixão que se apieda de si
nem chora da própria desgraça.
É uma paixão brava, valente,
que se expõe, que se propõe a todos os riscos,
como o risco de ser negada
ou partida em dois e n"ao ter quem as una, essas duas partes,
antes que uma sozinha
se resolva pela partida,
sabendo dessa sua partida
a morte sua,
restando apenas à outra parte,
deixada para trás,
morrer por si só.
A parte que parte se esquece que
resolver-se por partir é resolver-se por solver
essa paixão construída por ambas as partes,
deixá-la apenas à espera da pena
de morte certa.
Morre aos poucos uma paixão
e não adiantam lamentos
ante os desencontros
dessa vida.
Morre aos poucos uma paixão
e o custo de salvá-la
é o custo da própria vida:
é reunir tudo quanto for dor
e untar cada ferida,
fazer nascer dessas chagas
novamente a paixão
e vivê-la não com uma vida
mas com o vigor das duas vidas as quais essa paixão
goza de direito.
Então assim não será mais duas,
mas uma única singular paixão
feita e sustentada
por um só bicho de oito patas, quatro delas mãos
e que durará toda a vida da paixão
até que morra antes
as metades das quais o bicho é feito
ou o ardor da paixão,
mas é necessário que morra algo
para que não termine sem razão
como morrem secas
as pétalas
espalhadas no chão.
Rafael Lemos, 22-02-'10.